quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O MONSTRO INVISÍVEL

Em julho deste ano, tive o privilégio de fazer o som do espetáculo O Continente Negro, com Débora Falabella, Yara de Novaes e Ângelo Antonio. Ficamos durante três semanas no teatro Nelson Rodrigues, na região central do Rio de Janeiro.

Em todos os espetáculos que tenho feito, logo nos primeiros ensaios, peço para que liguem o ar condicionado. Não porque eu seja calorento, ou porque esteja na andropausa não, mas se tem uma coisa que costuma atrapalhar a audição num teatro, essa coisa se chama ar condicionado. Logo no primeiro ensaio, percebi que teríamos problemas. O barulho do ar era tão desagradável, que as pessoas que se sentassem do meio da platéia para trás (ficando assim, em baixo do mezanino e muito mais próximas dos dutos), teriam, como som-primeiro, o ruído do ar condicionado, e lá no fundo, lá atrás desse monstro invisível, as vozes dos atores. Diferentemente do espetáculo da Fernanda Montenegro, que comentei no post anterior, O Continente Negro não permitia o uso de microfones de lapela, por uma série de questões; e mesmo que permitisse, as pessoas que ficassem do meio da platéia para trás teriam que fazer um enorme esforço para abstrair o som do monstro invisível.

Para a minha sorte, estava ocorrendo um fenômeno raríssimo no Rio de Janeiro, estava frio. Frio, frio, não né, para nós paulistanos, mas um friozinho à la Rio de Janeiro. A produção do Continente pediu para que a administração do teatro ligasse o ar condicionado meia hora antes de abrir a casa, e o desligasse assim que fosse dado o terceiro sinal. Assim, a sala ficaria numa temperatura agradável e poderíamos ouvir perfeitamente o espetáculo. Certo? Errado!!! Quando se acha que tudo está certo, que tudo está combinado, eis que surge um burocrata de plantão e que resolve mudar tudo, faltando apenas cinco minutos para a nossa estréia. E tome ar condicionado!

No final do espetáculo, encontrei a produtora Fernanda Signorini, que por sinal havia se sentado em baixo do tal mezanino, e que confirmou o que nós já sabíamos: não se ouve nada com o ar condicionado ligado. Fiquei arrasado. Uma trilha sonora maravilhosa, cheia de efeitos, além de ser uma das mais difíceis que já tinha operado; os ensaios haviam sido maravilhosos, afinal, não nos apresentávamos a mais de um ano, e logo no primeiro ensaio percebemos que por trás da memória, há uma memória proustiana escondida; o cenário havia sido todo reformado; os atores, maravilhosos, como atores e como pessoas. A produção, idem; e, finalmente, eu conhecia o Aderbal Freire Filho, um gênio. E todo o encanto de uma estréia foi anuviado por um burocrata que mal entende de teatro, e que estava ali, mais para exercer um falso poder, do que para cuidar do espaço e do público.

Enfim, a produção foi voando na cabeça desse indivíduo, que finalmente se comprometeu a desligar o ar condicionado assim que déssemos o terceiro sinal. Infelizmente isso não ocorreu com essa precisão, às vezes ele desligava 15 minutos após o início do espetáculo, às vezes 20, e por aí vai.

Após uma breve pesquisa, olha só o que eu achei:

O teatro Nelson Rodrigues foi inaugurado em 1976, e na época se chamava Teatro do B.N.H.
“Em 1978, o teatro foi fechado para uma reforma na parte acústica, já que vazava o barulho do ar-condicionado.” Encontrei a informação acima, no livro Teatros - Uma Memória do Espaço Cênico no Brasil, de J. C. Serroni. No site do Centro Técnico de Artes Cênicas, encontrei esta referência:“no segundo semestre de 1978 foi feita uma reforma na acústica do teatro, pois o silêncio era perturbado pela aparelhagem de ar condicionado."

Para não ficar só no terreno negativo, uma referência de ar condicionado que respeita a audição do espectador, é o ar condicionado do teatro Caixa Cultural de Brasília. Bem que a Caixa Cultural do Rio poderia copiar o ar condicionado da Caixa de Brasília. Só não copiem o ar condicionado do governo de Brasília, ele é muito ruidoso, além de exalar um cheiro enjoativo de arruda -- para ficar no mínimo.

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