sexta-feira, 25 de outubro de 2013

DIREITA X ESQUERDA por Antonio Prata

Direita X Esquerda

Antonio Prata

A esquerda acha que o homem é bom, mas vai mal - e tende a piorar. A direita acredita que o homem é mau, mas vai bem - e tende a melhorar.

A esquerda acusa a direita de fazer as coisas sem refletir. A direita acusa a esquerda de discutir, discutir, marcar para discutir mais amanhã, ou discutir se vai discutir mais amanhã e não fazer nada. (Piada de direita: camelo é um cavalo criado por um comitê).

 Temos trânsito na cidade. O que faz a direita? Chama engenheiros e constrói mais pontes. Resolve agora? Sim, diz a direita. Mas só piora o problema, depois, diz a esquerda. A direita não está preocupada com o depois: depois é de esquerda, agora é de direita.
Temos trânsito na cidade. O que faz a esquerda? Chama urbanistas para repensar a relação do transporte com a cidade. Quer dizer então que a Marginal vai continuar parada ano que vem?, cutuca a direita. Sim, diz a esquerda, mas outra cidade é possível mais pra frente. A direita ri. “Outra” é de esquerda. “Isso” é de direita.

Direita e esquerda são uma maneira de encarar a vida e, portanto, a morte. Diante do envelhecimento, os dois lados se dividem exatamente como no urbanismo. Faça plásticas (pontes), diz a direita. Faça análise, (discuta o problema de fundo) diz a esquerda. (“filosofar é aprender a morrer”, Cícero). Você tem que se sentir bem com o corpo que tem, diz a esquerda. Sim, é exatamente por isso que eu faço plásticas, rebate a direita. Neurótica! - grita a esquerda. Ressentida! - grita a direita. 

A direita vai à academia, porque é pragmática e quer a bunda dura. A esquerda vai à yoga, porque o processo é tão ou mais importante que o resultado. (Processo é de esquerda, resultado, de direita).

Um estudo de direita talvez prove que as pessoas de direita, preocupadas com a bunda, fazem mais exercícios físicos do que as de esquerda e, por isso, acabam sendo mais saudáveis, o que é quase como uma aplicação esportiva do muito citado mote de Mendeville, de que os vícios privados geram benefícios públicos -- se encararmos vício privado como o enrijecimento da bunda (bunda é de direita) e benefício público como a melhora de todo o sistema cardio-vascular. (Sistema cardio-vascular é de esquerda).

Um estudo de esquerda talvez prove que o povo de esquerda, mais preocupado com o processo do que com os resultados, acaba com a bunda mais dura, pois o processo holístico da yoga (processo, holístico e yoga são de extrema esquerda) acaba beneficiando os glúteos mais do que a musculação.

Dieta da proteína: direita. Dieta por pontos: esquerda. Operação de estômago: fascismo. Macrobiótica: stalinismo. Vegetarianismo: loucura. (Foucault escreveria alguma coisa bem interessante sobre os Vigilantes do Peso).

Evidente que, dependendo da época, as coisas mudam de lugar. Maio de 68: professores universitários eram de direita e mídia de esquerda. (“O mundo só será um lugar justo quando o último sociólogo for enforcado com as tripas do último padre”, escreveram num muro de Paris). Hoje a universidade é de esquerda e a mídia, de direita.

As coisas também mudam, dependendo da perspectiva: ao lado de um suco de laranja, Guaraná é de direita. Ao lado de uma Coca-Cola, Guaraná é de esquerda. Da mesma forma, ao lado de um suco de graviola, pitanga ou umbu (extrema-esquerda), o de laranja vira um generalzinho. (Anauê juice fruit: 100% integralista).

Leão, urso, lobo: direita. Pinguim, grilo, avestruz: esquerda. Formiga: fascismo. Abelha: stalinismo. Cachorro: social democrata. Gato: anarquista. Rosa: direita. Maria sem-vergonha: esquerda. Grama: nacional socialismo. Piscina: direita. Cachoeira: esquerda. (Quanto ao mar, tenho minhas dúvidas, embora seja claro que o Atlântico e o Pacífico estejam, politicamente, dos lados opostos aos que se encontram no mapa). Lápis: esquerda. Caneta: direita. Axilas, cotovelo, calcanhar: esquerda. Bíceps, abdomem, panturrilha: direita. Nariz: esquerda. Olhos: direita. (Olfato é sensação, animal, memória. Visão é objetividade, praticidade, razão).

Liquidificador é de direita. (Maquiavel: dividir para dominar). Batedeira é de esquerda. (Gilberto Freyre: o apogeu da mistura, do contato, quase que a massagem dos ingredientes). Mixer é um caudilho de direita. Espremedor de alho é um caudilho de esquerda. Colher de pau, esquerda. Teflon, direita. Mostarda é de esquerda, catchupe é de direita - e pela maionese nenhum dos lados quer se responsabilizar. Mal passado é de esquerda, bem passado é de direita. Contra-filé é de esquerda, filé mignon é de direita. Peito é de direita, coxa é de esquerda. Arroz é de direita, feijão é de esquerda. Tupperware, extrema direita. Cumbuca, extrema esquerda. Congelar é de direita, salgar é de esquerda. No churrasco, sal grosso é de esquerda, sal moura é de direita e jogar cerveja na picanha é crime inafiançável.

Graal é de direita, Fazendinha é de esquerda. Cheetos é de direita, Baconzeetos é de esquerda e Doritos é tucano. Ploc e Ping-Pong são de esquerda, Bubaloo é de direita.

No sexo: broxada é de esquerda. Ejaculação precoce é de direita. Cunilingus: esquerda. Fellatio: direita. A mulher de quatro: direita. Mulher por cima: esquerda. Homem é de direita, mulher é de esquerda. (mas talvez essa seja a visão de uma mulher - de esquerda).

Vogais são de esquerda, consoantes, de direita. Se A, E e O estiverem tomando uma cerveja e X, K e Y chegarem no bar, pode até sair briga. Apóstrofe ésse anda sempre com Friedman, Fukuyama e Freakonomics embaixo do braço. (O trema e a crase acham todo esse debate uma pobreza e são a favor do restabelecimento da monarquia).

“Eu gostava mais no começo” é de esquerda. “Não vejo a hora de sair o próximo” é de direita.

Dia é de direita, noite é de esquerda. Sol é de direita, lua é de esquerda. Planície é de direita, montanha é de esquerda. Terra é de direita, água é de esquerda. Círculo é de esquerda, quadrado é de direita. “É genético” é de direita. “É comportamental” é de esquerda. Aproveita é de esquerda. Joga fora e compra outro, de direita. Onda é de direita, partícula é de esquerda. Molécula é de esquerda, átomo é de direita. Elétron é de esquerda, próton é de direita e a assessoria do neutron informou que ele prefere ausentar-se da discussão.

To be continued (para os de direita)
Under construction (para os de esquerda)


Ps. Esse é um texto antigo, que já tinha publicado no meu blog do Estadão. Como percebo que muitos leitores daqui não me liam lá, acho que tudo bem republicar alguns escritos, certo?

domingo, 20 de outubro de 2013

Perdeu a linha -- só um pouquinho.

-- Tá!, bebi um pouquinho a mais. 
-- Tá, falei uns palavrões, umas verdades inconvenientes e umas mentiras convenientes até de mais.
-- Tá, acabei tirando toda a roupa, e nu, vociferei contra as conveniências sociais.
-- Tá, cuspi na água benta, puxei os cabelos da sua tia chata, tentei beijar seu irmão gay, chamei sua mãe de corna, seu pai de filho da puta, sua melhor amiga de frígida; mas e você, o que foi que lhe fiz diretamente? (tirando as alternativas anteriores).
-- Está certo, disse, peladão -- me lembro razoavelmente -- em plena festa familiar, que todos ali presentes eram consumidores de carne Friboi e de Tony Ramos, e que deveriam tomar um doce ou uma bala pelo menos uma vez na vida, ou que fosse um cogumelo. "Melo Melo Melo, viva o cogumelo", repetia eu, a exaustão, nu, com os braços levantados, em pleno salão, até que, percebendo o clima ruim que havia causado, não tive dúvida, olhei pro Dj e gritei: TIRA O PÉ DO CHÃO!!! E a Ivete e o Chiclete e o sucesso alienante do momento me livraram de um exercício extemporâneo de aniquilamento do super ego.
No dia seguinte, todos nós fingimos que nada daquilo havia acontecido. Era o último capítulo da novela, tínhamos mais o que fazer, ou melhor, o que não fazer.


(A.L.O.)
20/10/2013

terça-feira, 5 de março de 2013

MONOPÓLIO


- Casamento não é o monopólio sobre o corpo do outro.
- Como assim!? Você está me traindo?
- Você não é meu, eu não sou sua, estamos juntos, é isso!
- Quer dizer que o seu corpo não é meu? Seu desejo não é meu, sua libido não é minha...
- É isso sim. Estou com você, mas não sou sua. Sou minha. Eu comigo mesma, com os meus desejos, meus anseios, minhas fantasias, minha dor, minha delícia...
- E onde ficou eu nessa história?
- O "EU" nessa história fica quando "NÓS" estamos juntos; quando NÓS não estamos juntos fica EU.
- Ah, tá, EU não entendi.
- EU sim.



(A.L.O.)
01/03/2013

MEDIANO

Mediano.
Quase feio, quase bonito,
Quase burro, quase inteligente,
Quase alegre, quase triste,
Quase pobre, longe de ser quase rico.
Quase, mas tão quase
Que quase se matou.
Não conseguiu.
Porque não se pode
Quase viver,
Apenas quase morrer.
Deixou de ser quase
Quando se apaixonou.
Não existe quase paixão.
Voltou a ser quase
Quando a paixão quase virou amor.
Mais uma vez ele quase morreu.
Sobreviveu.
E aprendeu:
Só vive quem quase morreu de amor.
 
(A.L.O.)
04/03/2013

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

FLÁVIA CALABI

 
 
Devo imensamente à Flávia Calabi. Perdi uma referência e uma amiga. Ficaram as lembranças e a paixão pela música, pela arte, pelos gatos e pelos balés. Lembranças das inúmeras madrugadas -- ela era notívaga, como eu -- em que ficávamos conversando sobre os gatos de Ademir Martins, os barquinhos de Ianelli, as paisagens de Guignard, as poesias de Bandeira, os longos e argutos parágrafos de Proust, a materialização da música nos balés de Balanchine...
 
Ainda bem que nos resta a lembrança, não proustiana, mas nos resta. E nesses momentos em que a morte nos lembra ser ela a única certeza, ser ela "o país não descoberto, de cujos confins jamais voltou nenhum viajante", vem a vida arrebatadoramente nos dizendo para irmos em busca do tempo perdido. Perdi uma amiga. Em breve nascerá minha filha. Vida e morte. Morte e vida. Hoje triste, amanhã feliz, hoje feliz, amanhã triste... É assim a vida.
 
 
 
 


 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

E O PISO VIROU TETO: a tabela do SATED e o desprezo pela meritocracia.

E o piso virou teto. E o teto foi congelado. E a diária de OITO horas virou DEZ, ONZE, DOZE... Dane-se quanto tempo você fique trabalhando; o que importa é que você tem hora para chegar, mas não para sair. Ah, e o cachê será o mesmo. Promoção:" trabalhe doze, treze, quatorze, quinze horas e ganhe uma diária de oito." É assim que a gigantesca maioria das empresas de locação de equipamentos de som e iluminação faz. Já no teatro... Há um axioma (para os técnicos) no meio teatral: quanto mais experiência você tem, proporcionalmente menos você ganhará. Os meus vinte anos de experiência, o investimento que eu fiz em cursos (caríssimos, por sinal. Liguem, por exemplo, para o IAV e perguntem quanto custa o curso Fundamentos Básicos de Áudio e Acústica), os trinta espetáculos teatrais que fiz, as 28 óperas e os incontáveis shows e eventos não dizem nada para as produções teatrais. Vão oferecer o mesmo cachê que ofereceriam ao Zezinho apertador de botões que acabou de começar. A meritocracia não existe para a grande maioria das produções. No fundo, o que a grande maioria dos produtores de teatro querem dizer é: "estude filho, mas não me cobre por isso." E tome tabela, e tome o piso que virou teto! Quando pagam o piso. E quando pagam, acham um luxo. Claro que há orçamentos e orçamentos. Claro que há produções e produções. Assim como há técnicos e técnicos -- mas aqui somos nivelados por baixo. A grande verdade é essa: oferecem-me hoje, valores que eu já ganhava em 2002. E em dez anos o valor do ingresso aumentou, a locação do teatro e dos equipamentos também, só o cachê dos técnicos que não. Tenho a sorte de trabalhar com pessoas que reconhecem o meu trabalho, pessoas que têm a meritocracia como valor; nivelam por cima e, acima de tudo, respeitam e reconhecem o trabalho de cada integrante de um espetáculo teatral.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Coração Vagabundo

Fiz um comentário ao ótimo artigo de Rodrigo Martins, intitulado "A Solução é negar um prato de comida?", na Carta Capital, sobre a manifestação contra a criminalização da distribuição de alimentos nas ruas de São Paulo. Eis que, abaixo do comentário que fiz, aparece-me este: "Vá lançar suas maldições noutra freguesia. O sopão somente vai perpetuar a situação desses pobres desgraçados, ao passo que se fossem enquadrados em contravenção de vadiagem, poderiam ir para um presídio escola, agrícola ou industrial, e aprender algum ofício e largar a cachaça e as drogas. O sopão só perpetua esta situação, e estimula a vagabundagem e a continuidade de modos de vida ocos e sem sentido algum. Isso é 'caridade'?"

 O que me revoltou, foi o fato do sujeito acima não colocar seu nome no comentário que fez. Quer dizer, "pobres desgraçados...presídio agrícola, industrial...contravenção de vadiagem" e o nome que é bom, nada! Atitude covarde. Acho de suma importância que nos posicionemos. Estou com a amiga do Voltaire, Evelyn Beatrice Hall, que em uma correspondência o escreveu: "Eu não concordo com uma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las." Mas, para isso, o debate tem que ser franco. Temos que dar a cara a tapa. Muitas pessoas pensam como o sujeito acima. Talvez meu pai pense como o sujeito acima. Eu discordo completamente. É um direito não querer trabalhar, é um direito não querer tomar banho, não querer fazer porra nenhuma, não querer ser explorado; assim como é um direito querer ser vagabundo, querer dormir na rua, querer perambular a esmo. Isso não quer dizer anomia. Não! Essas pessoas estão sobre as mesmas regras, leis e jugo que nós. Só que algumas preferem morar na rua e não fazer nada, passar a vida flanando, em vez de trabalhar como pedreiro, lixeiro, motoboy, técnico de som (como eu), metalúrgico, fosseiro, cortador de cana, etc. É claro que nós, enquanto sociedade, preferimos que existam pessoas que façam trabalhos que nós jamais faríamos. Afinal, você limparia fossa, trabalharia num lixão, seria faxineira terceirizada do Teatro Municipal (vi uma chorando, no ano passado, por que estava há dois meses sem receber o salário)? Não é à toa que os uniformes de grande parte dos trabalhadores retira qualquer traço de suas personalidades. É para nós não os percebermos. E todo esse trabalho, toda despersonalização pasteurizada de alguns trabalhadores, todo esse sacrifício para ganhar quanto no final do mês? Setecentos reais, oitocentos, mil, sei lá!

Assim, ficamos todos contentes, não somos obrigados a passar por gente fedida, "diferenciada" e suja; estão todos consumindo – cheios de carnês para pagar (e com IPI reduzido) - , tudo está funcionando e eu nem preciso entender como tudo funciona. Afinal, coloco o lixo na calçada e ele não está mais lá no dia seguinte; cago e a minha merda vai para algum lugar; coloco etanol no carro e nem sei quanta exploração há por trás dessa substância. Estamos alienados do processo. Só vemos o resultado final – quando vemos. É, acho que o colega sem nome tem razão: vamos colocar esses pobres desgraçados para limpar nossos sapatos, colocar esses vagabundos para fabricar papel higiênico, absorvente, fralda geriátrica. Esses pobres desgraçados têm que cuidar dos nossos dejetos, das nossas chagas e da nossa IGNORÂNCIA.

André Luís Omote