terça-feira, 10 de julho de 2012

Coração Vagabundo

Fiz um comentário ao ótimo artigo de Rodrigo Martins, intitulado "A Solução é negar um prato de comida?", na Carta Capital, sobre a manifestação contra a criminalização da distribuição de alimentos nas ruas de São Paulo. Eis que, abaixo do comentário que fiz, aparece-me este: "Vá lançar suas maldições noutra freguesia. O sopão somente vai perpetuar a situação desses pobres desgraçados, ao passo que se fossem enquadrados em contravenção de vadiagem, poderiam ir para um presídio escola, agrícola ou industrial, e aprender algum ofício e largar a cachaça e as drogas. O sopão só perpetua esta situação, e estimula a vagabundagem e a continuidade de modos de vida ocos e sem sentido algum. Isso é 'caridade'?"

 O que me revoltou, foi o fato do sujeito acima não colocar seu nome no comentário que fez. Quer dizer, "pobres desgraçados...presídio agrícola, industrial...contravenção de vadiagem" e o nome que é bom, nada! Atitude covarde. Acho de suma importância que nos posicionemos. Estou com a amiga do Voltaire, Evelyn Beatrice Hall, que em uma correspondência o escreveu: "Eu não concordo com uma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las." Mas, para isso, o debate tem que ser franco. Temos que dar a cara a tapa. Muitas pessoas pensam como o sujeito acima. Talvez meu pai pense como o sujeito acima. Eu discordo completamente. É um direito não querer trabalhar, é um direito não querer tomar banho, não querer fazer porra nenhuma, não querer ser explorado; assim como é um direito querer ser vagabundo, querer dormir na rua, querer perambular a esmo. Isso não quer dizer anomia. Não! Essas pessoas estão sobre as mesmas regras, leis e jugo que nós. Só que algumas preferem morar na rua e não fazer nada, passar a vida flanando, em vez de trabalhar como pedreiro, lixeiro, motoboy, técnico de som (como eu), metalúrgico, fosseiro, cortador de cana, etc. É claro que nós, enquanto sociedade, preferimos que existam pessoas que façam trabalhos que nós jamais faríamos. Afinal, você limparia fossa, trabalharia num lixão, seria faxineira terceirizada do Teatro Municipal (vi uma chorando, no ano passado, por que estava há dois meses sem receber o salário)? Não é à toa que os uniformes de grande parte dos trabalhadores retira qualquer traço de suas personalidades. É para nós não os percebermos. E todo esse trabalho, toda despersonalização pasteurizada de alguns trabalhadores, todo esse sacrifício para ganhar quanto no final do mês? Setecentos reais, oitocentos, mil, sei lá!

Assim, ficamos todos contentes, não somos obrigados a passar por gente fedida, "diferenciada" e suja; estão todos consumindo – cheios de carnês para pagar (e com IPI reduzido) - , tudo está funcionando e eu nem preciso entender como tudo funciona. Afinal, coloco o lixo na calçada e ele não está mais lá no dia seguinte; cago e a minha merda vai para algum lugar; coloco etanol no carro e nem sei quanta exploração há por trás dessa substância. Estamos alienados do processo. Só vemos o resultado final – quando vemos. É, acho que o colega sem nome tem razão: vamos colocar esses pobres desgraçados para limpar nossos sapatos, colocar esses vagabundos para fabricar papel higiênico, absorvente, fralda geriátrica. Esses pobres desgraçados têm que cuidar dos nossos dejetos, das nossas chagas e da nossa IGNORÂNCIA.

André Luís Omote

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